A Malnascida, de Beatrice
Já lemos dezenas de livros sobre amizade entre duas meninas. Condições económicas e sociais distintas. Itália fascista como contexto histórico. A luta por melhores condições. Não vos fez lembrar Elena Ferrante?
Este livro fez.
Malnascida é uma miúda pobre, numa família disfuncional, é corajosa, sem papas na língua. Ela dá azar a quem anda com ela. A protagonista deste livro é ela, mesmo não sendo. É vista pelo o olhar de quem narra a história, a Francesca. Ela nutre uma admiração secreta pela Malnascida. Ela quer brincar e ser livre como os outros miúdos. As duas tornam-se amigas e partilham várias situações do dia a dia.
No epílogo temos logo uma cena impactante,as amigas estão a livrar-se de um corpo masculino, após uma violação. Nas primeiras páginas descobrimos como nasceu a admiração entre as duas. O estilo de vida de ambas. No decorrer do livro, observamos como o fascismo se entranha na casa da Francesca, através do comportamento dos pais. Na escola, nas ruas.
"Haviam-nos ensinado a amar o Duce desde a primeira classe, com as lengalengas, aprendidas de cor, que comparavam o seu nascimento ao do menino Jesus e contavam a história da sua vida quase como se fosse uma transfiguração"
"Eu não gostava dos seus retratos pendurados em todo o lado: a sua cara sempre me parecera um enorme polegar, embora as outras dissessem que era bem-parecido, que quando crescessem queriam casar com ele, e beijassem às escondidas as fotos dele que guardavam dentro dos cadernos"
Duce é uma palavra italiana que significa líder. Mussolini era o homem que liderava naquela altura.
Acho que alguém, no seu perfeito juízo, na vida real, não teria coragem de agir como elas, como verificamos no desenvolvimento do livro. Acho muito bonito serem corajosas, terem uma amizade tão unida, perante as adversidades. Não consegui acreditar muito na revolta. Acho que a ingenuidade das crianças não lhes permite entenderem o que lhes é dito como certo. Nem em alguns adultos. Não diria que é impossível, leiam e venham conversar comigo.
Uma coisa que me enerva o olho é quando a autora explica algumas situações que podia mostrar. Parece que duvida da capacidade de interpretação do leitor. Como acontece com a situação do irmão que se atirou da janela e quando repete três vezes que a Malnascida não tem medo. Já sabemos.
Conclusão, gostei mas não me surpreendeu. Pouco original para quem já leu tantas histórias sobre amizade entre duas meninas.