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amulherqueamalivros

Qua | 15.03.23

Não é sobre barcos

Cláudia Oliveira

Podem partilhar com quem quiserem e dizer, ela escreveu isto e é muito estranho.  

Não entreguei o barco para dar tempo que encontre a âncora. Para descobrir os faróis na escuridão. Não denunciei a falta de coletes salva-vidas, a negligência, para dar tempo ao tempo. Não pedi o dinheiro dos bilhetes para se recompor e tratar de comprar um lugar, um sofá, uma cama, um jardim. O cão.

Depois do barco ir ao fundo, a ideia é nadar até à praia. Subir ao ponto mais alto para perceber como se foi ali parar. Eu vi lugares bonitos do alto. Quem ficou a apanhar sol enquanto o barco afundou, pode continuar. Não fiz nada para estragar o que estava estragado. Só acenei do alto, enquanto estava perdida. Conduziram-me os seis faróis. Luzinhas pequenas aos saltinhos.

Não odeio o marinheiro, tentaram afogar-me. Eu salvei-me, está tudo bem. Só não entendo o ódio que tem de mim, não fui eu que meteu gente a mais no barco.  

Isto não é sobre barcos. 

Qua | 15.03.23

Alto mar

Cláudia Oliveira

Estava a ouvir o álbum novo da Carolina Deslandes e a pensar nas feridas que carregamos.

Ainda há pequenas feridas que ao passar a mão brotam lágrimas no cantinho do olho. Sorte a dela que pode cantar às pessoas, fazer da dor, melodia. Entregar aos outros a sensação de que aquelas letras não são só dela.

Nestas alturas, eu penso na minha necessidade de escrever sobre o meu peito e a arca do fundo do quarto. Gosto da sensação boa que é partilhar com outras pessoas. Gosto de receber trocas inesperadas de afeto. É como dar a mão ao sofrimento e transformar isto tudo num abraço. Um guardanapo, ao cantinho dos olhos.

Separei-me e ainda ando a navegar nas águas do alto do oceano. Já passou um ano. Aos retalhos, detesto. Raramente vou até à beirinha. Não por mim, pelo sacrificio que é estar sem eles, no vai e vem. Férias, entrega, recados, agora vai assinar, agora pagas tu, agora sou eu. Nas mensagens "puta", "falsa". No amor daquele ódio. Para mim o amor não tem ódio, sei lá. No que se pode transformar o amor. Ai Senhor, é verdade? Será que ele me odeia assim tanto? Fiz nascer aquelas quatro crianças, embalei-as em noites frias e chorei quieitinha enquanto as mensagens queridas eram para outra. Será que a minha força dá assim tanta dor? Amar à sua maneira. 

Deixem-me ir. Não consigo escrever sem lágrimas e agora não posso chorar.