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Sex | 14.09.18

DO QUARTO PARA O MUNDO | 196 PAÍSES 196 ESCRITORAS

Cláudia Oliveira

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Ao longo dos anos, como leitora, venho moldando o meu perfil de leitora e respetivamente o foco em relação às minhas escolhas. Há uns anos abracei o tão famoso projeto brasileiro Leia Mulheres (criado em 2014), criei e abandonei o Veja Mulheres e descobri o feminismo através de vários livros. Descobri também que as mulheres ao longo da História foram prejudicadas e que muitas vezes foram/são tratadas com desrespeito e desmerecimento pelo seu trabalho. Passei a lutar um bocadinho pela igualdade de géneros, senti necessidade de dar maior destaque às mulheres. 

 

O site americano VIDA mantém porcentagens de gênero sobre resenhas em grandes publicações literárias. Ao longo de 2012, apenas 22% dos livros resenhados no “New York Review of Books”, 25% no “The Times Literary Supplement” e 23% no “The Nation” eram livros escritos por autoras.

 

Já me dei ao trabalho de contar novidades escritas por mulheres em sites de vendas. Já dei conta que os livros começados por "Os grandes nomes da literatura mundial são...", "O Cânone Literário" ou até mesmo "Os 1001 Livros para Ler Antes de Morrer têm larga percentagem de livros escritos por homens. E os prémios, quantas vezes os homens são premiados e as mulheres esquecidas?  

 

Há discussões imensas sobre termos como "escrita feminina" que não surgem quando se referem aos homens. Ninguém diz "escrita masculina". Mas de certeza que já leste, "escrita poética", "narrativa profunda". E quando dizem que uma escritora não escreve como outras mulheres, o que querem dizer com isso? Queixava-se o falecido V.S. Naipul numa entrevista ao The Guardian sobre "o sentimentalismo e da visão estreita do mundo" que as mulheres revelam na sua escrita. Teriam a mulheres do século XVIII/XIX as mesmas oportunidades? Ou a escrita era um assunto vedado às mulheres? "Era o tal sentimento de inferioridade da mulher que se lançava na escrita, e em particular nos relatos de viagem, que se tornou comum uma introdução justificativa das narrações. Uma espécie de pedido de desculpa pela ousadia de se exibir tão publicamente."

 

Através da minha curiosidade e sensibilidade procurei respostas para algumas perguntas da minha cabeça. Todos os projetos onde tropecei me deram a ver o outro lado, mexeram na ferida e empurram-me para o meu caminho. A sensação que eu estava sozinha na luta desapareceu, e os nomes para as coisas apareceram. Nomes como: machismo, feminismo, empoderamento feminino, girl power. 

 

Percebi coisas que nunca tinha percebido antes, mas sempre muito calada. Um vídeo, um texto, uma leitura, uma mensagem, mas nada muito gritante para não incomodar. Sempre a participar de desafios e a apoiar à minha maneira, através das minhas redes sociais ou do meu pequeno mundo. Sempre a tentar desmistificar a ideia da palavra feminismo, sempre a bater na mesma tecla. Sempre a trazer sugestões de leituras ou apoiar projetos com o mesmo objetivo. 

 

Diz Isabel Lucas no seu livro "Viagem ao Sonho Americano" (Companhia das Letras) o seguinte:

 

"Foi a literatura que me fez começar esta viagem e a partir dela tentar perceber mais sobre um país com o qual cresci, porque era com ele que inevitavelmente se crescia no Ocidente nos anos oitenta ou noventa. A amar muitos dos seus escritores, da sua música, do seu cinema, da sua arte,..." ; "Está tudo na literatura, daí esta viagem ser a partir dos livros que levam a outros livros..."; "E vais sozinha?, perguntam-me mais uma vez, tantas vezes. Quase sempre é assim quando saio para um trabalho longo. Isso raramente se pergunta a um homem. Andar por aí, sendo mulher, é ter noção, não apenas no preconceito, ms de que somos um corpo exposto a mis perigos. Ainda é assim."

 

Partindo da frase seguinte de Vírginia Woolf, no seu ensaio publicado em 1929, intitulado "Um Quarto Só Para Si" (Relógio de Água) :"...uma mulher tem de ter dinheiro e um quarto só para si, se quiser escrever ficção". Cheia de vontade de usar este espaço para falar sobre mulheres, que as suas obras falem por si, dar-lhes voz,conhecer as suas realidades e histórias, criei este projeto ao qual dei o nome Do Quarto para o Mundo - 196 países 196 escritoras.

 

É mais uma extensão daquilo que defendo e pretendo divulgar. Sendo um projeto sem prazo, de acordo com a minha forma de encarar o mundo e sede pelo conhecimento, parece-me ser a forma mais interessante e divertida de começar. E a ideia, sendo uma reciclagem de outros projetos existentes (não faltam projetos direcionados para volta ao mundo através da literatura), não deixa de ter o meu toque de empoderamento feminino. 

 

Quero ler 196 livros escritos por mulheres diferentes, quero percorrer o mundo através da literatura. Quero confrontar a minha realidade com a realidade delas. Quero saber se estamos a publicar literatura de todos os países ou se existem falhas. Quero valorizar o trabalho de escritoras esquecidas ou desvalorizadas. Quero aprender, beber conhecimento das suas histórias. Quero apoiar. Quero viajar do meu quarto, para depois viajar fora dele. 

 

"Se a mulher escreve de um ponto de vista mais intimo ou confessional, a sua narrativa será considerada trivial, não se lhe atribuirá grande importância. Mas se optar por um estilo mais aventureiro, ver-se-á confrontada com acusações de que o que conta é mentira ou, no mínimo, amplamente exagerado."( Mulheres Viajantes, Sónia Serrano - Tinta da China)

 

Haverá um espaço especial na minha casa para colocar todos os livros dedicados a este projeto de forma a tirar fotografias e partilhar convosco a pilha de leituras concluídas. Terei no blog uma lista para consulta, com direito a uma opinião para cada um. E as fotografias pretendem unir um elemento do país em questão, sempre que possível. Uma imagem, um objeto, uma cor, uma sobremesa.  Sem prazos, só amor. 

 

 Os livros que me inspiraram para o projeto Do Quarto Para o Mundo foram vários, destaco:

 

Um Quarto Só Para Si, Virginia Woolf (Relógio de Água)

Viagem ao Sonho Americano, Isabel Lucas (Companhia das Letras)

Mulheres Viajantes, Sónia Serrano (Tinta da China)

O Poder, Noami Alderman (Saída de Emergência)

 

Estou tão empolgada com este meu projeto.