Outubro será o mês de últimas oportunidades. Última live deste ano, último clássico deste ano. Mas claro, para o ano há mais. O Clube dos Clássicos Vivos não pára, apesar da pausa sem previsão de regresso do Net Book Club. Aqui fica mais uma Agenda Ama Livros com as datas e horários.
Mês de outubro
- Leitura do clássico Morte em Pérsia, da escritora Annemarie Schwarzenbach para discussão e encontro em novembro
20 de outubro, pelas 6 horas
- Live do Net Book Club, para discutir o livro Pão de Açúcar, de Afonso Reis Cabral
Este é o quinto romance de James Bladwin, o primeiro publicado em Portugal. O escritor é considerado um dos nomes maiores da literatura americana do século XX e umas vozes mais influentes do activismo pelos direitos civis. Negro e gay, recusava ser rotulado. Os seus livros são conhecidos por abordar questões raciais e de sexualidade. Eu não sabia, mas Barry Jenkins inspirou-se nele para fazer Moonlight, e segundo as noticias, vem aí mais um filme baseado num dos seus romances.
Se Esta Rua Falasse (1974) conta a história de Fonny, um jovem negro que é preso e acusado injustamente por crime de violação. Começa com a visita de Tish, a sua mulher grávida à prisão onde Fonny se encontra há três meses. É do ponto de vista dela que vamos conhecer a história de amor de ambos.
"Vou ter este bebé e também estou assustada, e não quero que aconteça alguma coisa ao pai do meu bebé, não o deixem morrer na prisão, por favor, oh, por favor!
A história é tão humana e carrega um sentimento de esperança tão forte que é impossível não ser amigo das personagens.Estive sempre com eles, a carregar as suas angústias e a vivenciar momentos de doçura. Diverti-me com a família do Fonny, apesar das atitudes intragáveis de alguns elementos. Emocionei-me com aquele amor. Esperei o julgamento, sofri com eles. E sempre que fechava o livro, para não chegar ao fim muito depressa, a minha mente acabava por ficar dentro daquela história. A narrativa tem algo de tão real que é possível visualizar cada episódio, é impressionante!
"Se parecermos incapazes, as pessoas reagem connosco de uma maneira; se parecermos fortes, ou agirmos como se fôssemos fortes, as pessoas reagem connosco de outra maneira e, como não vemos o que elas vêem, isso pode ser doloroso."
O final é a cereja no topo do bolo. Intenso e perspicaz deixou-me completamente atordoada e emocionada. Obrigada à editora Alfaguara por ter trazido este autor para Portugal. Uma história fabulosa que ninguém deve perder. Um dos meus preferidos deste ano, sem dúvida. Livraço!
Depois de passar pelo Paquistão, fui até aos Estados Unidos da América. Dei de caras com o romance da escritora afro americana Fran Ross através de um passeio pela internet. Tudo me chamou a atenção, o titulo, a sinopse, a capa e o facto de ser um título inusitado nas minhas escolhas. Não faltavam escolhas para dar como concluído este país. Este talvez seja o país com maior oferta. A minha estante está cheia de títulos modernos e clássicos de escritoras americanas. Oreo (1974), o único romance de Fran Ross foi a escolha da vez para o projeto Do Quarto para o Mundo.
Fran Ross(1935-1985) foi repórter da Saturday Evening Post, trabalhou em várias editoras nova-iorquinas nos anos 60, e colaborou com as revistas Essence e Titters - esta última caracterizada pelo seu humor feminista. Neste romance, a autora faz uma paralelismo entre a protagonista e uma peça acerca de Teseu, na mitologia grega um herói ateniense. Oreo, como lhe chama a sua avó é a Christine, a heroína do romance. Vive em Filadélfia, é filha de mãe negra e pai judeu. "Oreo é uma versão moderna do mito de Teseu, um hilariante viagem de autodescoberta e, sobretudo, uma inteligente visão de estereótipos raciais e da construção da identidade americana": O enredo não é explicito, sabemos que Oreo parte em busca do pai judeu por terras nova-iorquinas. São relatadas as gerações dos avós e pais da Oreo até à sua adolescência. Famílias muito diferentes que se misturam entre a cultura pop dos anos 70 num retrato muito minucioso do que se passava nas mentes e casas daquelas gerações.
Por ignorância não consegui entender todas as referências. A escrita muito característica da autora, a lembrar um romance pós moderno, entre diálogos imprevisíveis. dentro de uma estrutura pouco vulgar e nada linear. Títulos para os capítulos a desvendar as próximas peripécias, com uma ironia refinada, este livro foi uma experiência inigualável.
"Neste livro não existe estado do tempo propriamente dito. Numa ou noutra ocasião, fazem-se vagas alusões às condições meteorológicas. O leitor deverá, ao longo da narrativa, imaginar o estado do tempo que mais lhe agradar. O Verão é que faz mais sentido num livro desta extensão. Assim, não é preciso gastar páginas e páginas a descrever pessoas a despedir e a vestir o sobretudo."
O que se destaca é a ironia e a inteligência narrativa da Fran Ross. Não senti muita ligação com Oreo, apesar das respostas sempre na ponta da língua, da ingenuidade e rebeldia. Gostei imenso dos avós, do desfilar de momentos narrativos impressionantes. A originalidade e a forma como desenvolve o enredo é cativante. Não queria largar o livro, apesar de não me sentir completamente conectada.
Os Estados Unidos e a geração dos anos 60 está totalmente neste romance. É isso que eu quero sentir, sempre que escolher um país diferente, viajar no tempo e no espaço. Foi uma boa escolha, por trazer a realidade de um país gigante que define as pessoas pela sua cor de pele ou as suas escolhas religiosas. Onde é evidente as diferenças nas classes sociais e a forma como o país encara essas diferenças.
"Imagina que o teu dentista é branco e imagina que ele nutre lá no íntimo, sem disso se aperceber, um ódio inconsciente aos negros, e imagina que ele está de mau humor quando lhe entras no consultório. Não poderá dar-se o caso de ele carregar na broca com um bocadinho de força a mais, de ele ir ligeiramente mais fundo do que seria indispensável?
Livro recomendado, para leitores que gostem de um livro desafiante. Faltam 194 países 194 escritoras para concluir este projeto. Quais são as tuas escritoras americanas preferidas? Já conhecias este livro?
Fran Ross não tem mais romances, morreu antes de completar o segundo.
Três palavras para este livro:
- Racismo
- Ironia
- Cultura pop
O próximo país será o país do meu marido, Angola. Consequentemente um dos que mais me atraem pela sua beleza e cultura. Pela temática e experiência de vida da escritora, espero que seja um bom romance para juntar a este leque que até ao momento não tenho razões de queixa.
Antes de começar, preciso de explicar esta ideia. Conto (Quase)a Verdade é um cantinho novo e especial neste blog. É uma forma de unir a ficção e a realidade. E deixar os leitores tirarem as suas próprias conclusões. Irei inspirar-me na minha vida, nos meus e nos outros (sem os denunciar). Ninguém saberá o que é ou não verdade (vá, algumas sabem). Mas podemos discutir alguns pontos, podem tentar descobrir. Espero que gostem, deu-me um tremendo gozo voltar a escrever para além dos livros. Ainda sinto que estou um pouco enferrujada, mas emocionei-me ao reler. Parte de mim está aqui.
Conto (Quase) a Verdade
Lila era três
Não dava para esperar mais, teria de ir até ao hospital saber o que se passava. Sentia diferenças no seu corpo. Não dava para continuar a adiar. Dois testes de gravidez negativos eram mais do que suficientes para pensar que o problema era outro. E foi isso que a Lila fez, ligou para o hospital e marcou uma consulta de urgência na unidade de ecografias. Não ia passar de um susto, de uma confusão, nervos ou ansiedade.
Esperou dois dias e foi. Sem falar com a melhor amiga que andava muito ocupada com as fotos no instagram, os likes, a falsa fama. Foi sozinha, porque no fundo ninguém se importava. "Vais ver que não é nada, isso é a tua cabeça". Só avisou o companheiro, "que não seja nada grave". As mãos estavam suadas, as pernas a tremer, a dor forte no estômago era fome ou nervos. O médico disse-lhe que podia entrar, deitar e deixar a barriga à mostra. Acabou de preencher uma papelada e sorriu para ela. Então, quando foi a sua última menstruação? Uns cálculos. Demorou a vir até cá. Mais cálculos. "Demorei? Como assim, demorei?" Enquanto um gel frio se espalhava na sua barriga, o médico olhava para o ecrã muito atento. Ela olhou e pareceu-lhe ver alguma coisa. Estou doente, é isso, não é? Não está doente, está grávida. E pior, grávida de gémeos verdadeiros. Reparem na palavra pior dito por um médico neste contexto. Primeiro segundo, chorar. Não sabia se de alegria ou choque, se tudo ao mesmo tempo. Sete segundos depois, perguntar, é verdade? Isso não acontece só nas novelas? O médico despachou o assunto com a verdade.
Talvez a viagem do hospital até casa tenha sido mais longa. Lila não se lembra. A única memória é o calor, a voz do médico e as mãos a tremer quando chamou o elevador. Sozinha em casa pensou, a quem vou contar primeiro? Posou a ecografia na mesa e observou aquelas duas sementes de 12 semanas. Lila era três. Não estava nada nos seus planos. Era um ano focado em trabalho, começava a dar os primeiros passos na área que mais gostava. Tinha recuperado as poupanças, a vida social. Tinha feito novas amizades. Fora apanhada pela surpresa, incapaz de reagir. Tudo se esfumaçou.
O companheiro dela ainda teve uma reação mais estranha. Deitou-se no chão, queria chorar mas ria. Abraçou-se a ela, "vai ficar tudo bem". Estava em choque, via-se bem nos seus olhos. Demorou vários dias para recuperar. A alegria começou a ver-se nas primeiras conversas. No que tinham de mudar. Na casa que precisavam de comprar, no carro que precisavam de trocar. Para Lila sentir alguma espécie de felicidade precisou de se resguardar, ficar no seu canto para sair forte nas suas convições. Alguns planos ficariam de lado, mas descobrir novos sonhos ainda era o melhor plano de todos. E o dia chegou, "filhos, tenho uma coisa para vos contar, a mãe tem dois bebés na barriga, vão ter dois manos".
Foi com muita alegria que recebi o livro "Chamar as Coisas Pelos Nomes - Como e quando falar de sexualidade" da editora Arena, escrito pela Psicóloga Clínica e da Saúde Vânia Beliz. Aquele livro que chega no momento certo. Muito informativo, com uma linguagem clara e conteúdo necessário e adequado aos tempos que correm.
Na minha opinião é necessário uma disciplina de Educação Sexual na escola. Para falar dos mais variados assuntos, para quebrar tabus, para informar os adolescentes. Aliás, no infantário alguns assuntos podem ser abordados através de histórias ilustradas, por exemplo. De forma a prevenir casos como violação infantil. Existem muitas formas de o fazer.
Em casa, tento procurar o máximo de informação possível porque também sinto que é um assunto importante na ligação entre pais e filhos. O Gustavo já faz algumas perguntas, "como é que os bebés saem da barriga?" é a mais recorrente. Eu quero estar à altura do meu papel na hora de responder. Quero esclarecer e proteger os meus filhos, como todos os pais.
Este livro começa por explicar a necessidade de educar para a sexualidade e as suas vantagens. Depois desenvolve por diversas categorias e faixas etárias, primeiro a infância (rianças dos 0-3 anos; dos 3 aos 5; dos 6 aos 9,...), antes de avançar para adolescência aborda a puberdade das meninas e dos meninos (a fase da descoberta e perguntas) e por fim, a adolescência. Tem capítulos dedicados à preocupação dos pais como a internet, redes sociais,gravidez na adolescência, pornografia., o momento da primeira consulta de planeamento familiar, entre outros. No final ainda reúne vários contactos (desde páginas e links) para ajudar no aconselhamento em sexologia, violência sexual, orientação sexual, violência contra as mulheres, e não só.
Ainda há uma enorme deficiência na comunicação entre pais e filhos no que toca a este assunto. Vejo pelas notícias, pelas conversas que tenho com conhecidos e amigos. Sobretudo em relação à homossexualidade o tabu continua. Os pais precisam e têm o papel mais importante, mostrar a importância das crianças sentirem segurança e conforto consigo mesmas. Sem filtros, com conversas claras. Ninguém é perfeito, mas podemos sempre trabalhar para melhorar a nossa comunicação, não concordam?
Um livro essencial para quem lida com crianças, para quem procura mais informações sobre o tema. Está cheio de informações preciosas, dicas fantásticas. Precisa de ser lido e partilhado, com urgência. Recomendo totalmente.
Pequenos excertos
"A nossa sociedade ainda está recheada de estereótipos que contribuem para a desigualdade e, claro, qualquer pai e qualquer mãe terá apenas um desejo para o seu filho ou para a sua filha: que seja feliz, independentemente de ter nascido menino ou menina. Certo?
Ainda estamos a criar as nossas crianças num panorama de desigualdades e não iremos mudar o mundo todo ao mesmo tempo, é certo. Basta sabermos que cada criança é uma oportunidade de mudança! Então, contribuímos para isso mesmo, para que um dia possamos acreditar que poderemos diminuir a violência e disponibilizar às nossas filhas e aos nossos filhos um mundo onde não haja prejuízo em função do seu sexo.
Dar uma boneca a um menino não influencia a sua orientação sexual, mas dá-lhe a oportunidade de experimentar, através do brincar, o papel de pai e de cuidador. "
"Os toques maus devem ser ensinados à criança como aqueles que a fazem sentir medo ou desconforto, ou que vão simplesmente contra a sua vontade. As crianças podem identificar com mais facilidade os toques ou as situações que lhes causam dor - como uma agressão física - mas, terão dificuldades em falar de algo que não identifiquem como errado, principalmente se não estiverem associados a algum desconforto."
"Conheça o trabalho da pedagoga Caroline Arcari, que desenvolveu vários recursos para que pais, mães e educadores possam trabalhar este tema com as crianças. Pipo e Fifi são mosntrinhos especiais que ensinam as crianças a ficarem mais protegidas. www.pipoefifi.com.br"