"O CROCODILO QUE VOA" | LUIZ PACHECO
Quero tentar perceber este fascínio que me fez ir até à biblioteca, pedir os escritos de Luiz Pacheco, assistir ao documentário sobre ele e ler dois livros de seguida.
Luiz Pacheco criou a Contraponto, uma editora que publicou Herberto Hélder (poeta maior, opinião “Letra Aberta”), Virgílio Ferreira, Manuel de Lima, Cesariny antes de ninguém.. Só publicava o que tinha qualidade, detestava gralhas e tinha uma forma de ver a literatura muito particular. E acho que é exatamente isso que me fascina, a forma como fala na literatura, escritores e poetas. As suas contradições são constantes em várias entrevistas e a má língua também. Não há uma mísera entrevista neste livro onde não agrida verbalmente os que outrora foram seus amigos. Nas suas palavras todos se venderam ao sistema, assinaram contratos para escrever e editar anualmente em troca de dinheiro, ou no caso do Cesariny, dedicaram-se a outros interesses para conhecerem a fama. Acho que único amigo salvo por esta corrente de criticas foi Herberto Hélder, homem com uma postura bastante reservada e dedicada à arte da escrita. Saramago é o cão da Agustina, Virgílio Ferreira só pensa em dinheiro, Antero de Quental é um homossexual disfarçado, Natália Correia uma lésbica devassa. Pacheco choca com as suas opiniões. Presumo que não vá agradar a muita gente. Li-o sem levar muito a sério o que diz. No entanto, consegui ver o seu amor pelos livros, a sua mágoa em relação ao grupo de amigos que se desfez.
Pacheco tem uma história de vida absolutamente cativante. Desde o número de mulheres (com 15 anos eram muito velhas), as hilariantes histórias de libertinagem e como acabou os últimos dias da sua vida. São páginas de entrevistas dadas a diversos jornais e revistas, num tom bem-disposto. Ri imenso, desprendi-me de ideias construídas à volta dos escritores mencionados. "Lobo Antunes tem muita inveja do Saramago. Pensava que podia ganhar o Nobel sozinho". Até da Pilar ele falou.
Antes das entrevistas li a obra-prima “Comunidade” que me fez admirá-lo como escritor e editor. É sua própria história, num tom melancólico e doce. Liguei a sua arrogância à dureza da vida. Ele era uma espécie de fantoche nas entrevistas. Nota-se em determinados momentos o aproveitamento por parte dos jornalistas. Quando tocam na ferida, repetem, insistem até que exploda com um “puta que os pariu”. Foi um homem com uma vida imensa, com um final medíocre porque quis manter-se à distância do deslumbramento proveniente da fama.
"Crocodilo que Voa" chegou a ser o título de uma revista que o Luiz Pacheco e o poeta António José Forte planeavam fazer, mas que nunca chegou a publicar-se. Esta edição tem entrevistas do Rui Zink, Ricardo Araújo Pereira, Baptista Bastos, Paula Moura Pinheiro, entre outros. "Esse livro é uma merda! Isso é uma aldrabice. É bom para andar por essas pequenas editoras", responde ele ao semanário Sol em 2008 sobre o lançamento deste livro.
Quero ler tudo o que ele escreveu. O próximo será a sua biografia lançada pela Tinta da China, de João Pedro George.