Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

amulherqueamalivros

Ter | 13.06.17

"HOJE ESTARÁS COMIGO NO PARAÍSO" | BRUNO VIEIRA AMARAL

Cláudia Oliveira

2017-06-12_14.19.17.jpg

 

Não farei uma opinião ao mesmo nível do meu fascínio por este livro. Primeiro, este livro escolheu-me. Escolheu o momento certo e tornou-se um dos meus livros preferidos deste ano. São estes os livros que ficam comigo por longos anos. As histórias transformam-se em memórias boas e recomendações constantes. Por ser uma experiência pessoal (às vezes transmissível) tenho a certeza que não será tão marcante, nem terá a mesma intensidade em futuros leitores. 

 

O narrador pega numa memória de infância e traça um percurso de vida até ao momento presente. Passeia por várias casas, cheiros e retratos foscos guardados na memória. Confunde-nos muitas vezes. Não dá certezas, cria novas memórias. É esse o enigma que me fascina. Criamos memórias, juntamos peças soltas e construimos um puzzle para termos uma história. Esboçamos diálogos e quando os recriamos as palavras estão no lugar certo. 

 

João Jorge morre assassinado com uma faca de matar porcos. O autor pega nesse episódio cruel e começa uma investigação. Uma infância na década de oitenta, na margem sul, com elementos muito semelhantes a tantas outras infâncias. Tive um sentimento de identificação e acabei por ver-me na casa dos meus avós diante daqueles móveis e do prato de comida com muito tempero. Cheiros que só encontrei ali. Passeei pelas minhas memórias através de memórias alheias. Senti perto os meus avós que hoje estão no paraíso. Senti saudades e acabei por questionar as minhas recordações.

 

Enquanto descobrimos a história do narrador, acompanhamos a investigação. As idas à biblioteca, as perguntas aos familiares e as pesquisas nos jornais. Várias histórias cruzam-se num embaralhado de personagens. Os meus momentos preferidos são entre o narrador e o avô, o narrador e o pai e o narrador e o tio. As relações entre as pessoas serão sempre os meus assuntos preferidos na literatura. As conversas, a distância entre os silêncios e a mágoa. Sentimentos tristes e um fascínio do narrador pelos genes herdados. Como nasceu o seu amor pelos livros e pela escrita. As perguntas sem resposta e as respostas encontradas quando procuramos por elas.  

 

Talvez não existam tantas diferenças entre todos. A capacidade de seleccionar criteriosamente os momentos. As imagens fugazes das nossas infâncias. Os primos que nunca chegamos a conhecer. As perguntas, apesar de diferentes, são feitas da mesma matéria. Os livros que passam e ficam. Como os livros do Gabriel Garcia Márquez citado neste livro. Os lugares e os cheiros. Angola e quem sente Angola como um bilhete de identidade. 

 

Não vejo a hora de ler o primeiro romance do autor, "As Primeiras Coisas", Prémio Saramago em 2015. Quero ler tudo o que escreveu, contrariando assim as palavras do autor quanto à sua postura perante a literatura. Quando gosto, gosto muito. E vira uma espécie de obsessão. Leio as entrevistas, oiço os possíveis podcasts, procuro toda a informação possível. Só não tenho coragem para pedir um autógrafo. Mas fiz uma entrevista (podem ler aqui). E claro, este livro será uma recomendação em modo repeat sempre que me pedirem um bom livro de um autor português. 

 

(livro cedido pela editora

 

)