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amulherqueamalivros

Sex | 23.06.17

TRABALHAR NA FEIRA DO LIVRO | ENTREVISTA A SANDRA PINTO BARATA

Cláudia Oliveira
Hoje a entrevista é outra. Queremos saber tudo o que se passa na Feira do Livro, não é verdade? Lancei a proposta à Sandra Pinto Barata, autora do blog "Say Hello To My Books" (visitem!), e ela aceitou de imediato. 
 
A Sandra este ano esteve a trabalhar como colaboradora na Feira do Livro de Lisboa, no grupo Porto Editora (inclui Bertrand, Coolbooks, Quetzal, Pergaminho, Círculo de Leitores, etc...) e é uma apaixonada por livros como podem comprovar de seguida. Tive o prazer de a conhecer este ano no segundo encontro do Clube dos Clássicos Vivos. Uma simpatia, inteligente  e comunicadora nata. Gosta de Truman Capote, Charles Bukowski, Saramago, entre outros (a lista está sempre a aumentar). Este ano criou a iniciativa Março Feminino, uma iniciativa para divulgar literatura escrita por mulheres.
 
Alguns dias depois do encerramento da Feira do Livro fazemos uma espécie de balanço e ficamos a conhecer alguns segredos dos bastidores. Venham daí. 
 

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- O que te motivou para trabalhar este ano na feira do livro? 
 
Já queria ter trabalhado o ano passado, mas não fui a tempo das inscrições. Este ano, como tinha disponibilidade decidi inscrever-me. Mais que ganhar uns trocos, o que me motivou foi a experiência de trabalhar no meio dos livros, perceber como funciona a Feira (que frequento desde miúda) por dentro, fazer parte do evento mesmo a sério. Fazer valer o "estar" e não só "passar", entendes? 
 
 
- Onde fizeste a inscrição? 
 
Online, no site da Bertrand. Depois chamaram-me para uma entrevista, como fizeram a todos os inscritos e, felizmente, fui chamada. 
 
 
- Fazem contrato de trabalho? As condições que oferecem são aliciantes? 
 
Sendo um trabalho provisório, não fazem contrato. Mas quem aceita trabalhar lá, sabe ao que vai. Sabe que são, no máximo, 18 dias, com várias horas de trabalho. São as condições normais para trabalhos do género. Eles ajudam nas refeições, o que é muito bom. Mas como não era tanto o dinheiro que me motivava, não tenho nada a apontar. 
 
 
- O que pensaste quando viste o grupo editoral onde ias trabalhar? 
 
Já sabia para onde ia, porque me inscrevi no site da Bertrand. Na Feira o espaço é conjunto entre a Bertrand e a Porto Editora. Tanto que os nossos coletes de trabalho diziam "Grupo Porto Editora", o que confundia a cabeça de muita gente. Já era um grupo que respeitava, fiquei a conhecer a fundo o portefólio da Porto, da Bertrand, da Quetzal, da Pergaminho, etc. Foi ótimo!
 
 
- Como é o ambiente de trabalho? Existe competitividade? 
 
Nada de nada. Foi tão bom. Das melhores coisas que tiro desta experiência são as pessoas, principalmente os colegas. Criou-se um espírito de equipa muito grande, estávamos todos ali para o mesmo. Ajudavamo-nos sempre, em qualquer situação. Um dia que me senti mal e precisei sair mais cedo, aguentaram as pontas por mim, tal como fiz com outros colegas em situações idênticas. Fartámo-nos de rir em situações caricatas, nos dias de calor borrifávamo-nos uns aos outros com água, fazíamos pausas para ir comprar Calipos e combater o calor, trocámos muuuitas opiniões sobre livros, sobre a Feira, sobre a vida em geral. Quando um não sabia onde estava um livro, o outro ajudava. Quando um não conseguia ajudar um cliente, o outro estava ali ao lado e intervinha. Mesmo os responsáveis - os chefinhos - eram todos pessoas excelentes, acessíveis, simpáticas, compreensivas, com quem tínhamos muito boa relação, com quem criámos private jokes, que nos fizeram sentir importantes enquanto ali estávamos. Aceitávamos tudo o que nos pediam e fazíamos sem pestanejar, porque eles estavam ali connosco quase de igual para igual - trabalhavam muito mais que nós até. Foi uma grande aprendizagem a nível humano e profissional. 
 
- Têm formação antes da feira do livro? -  Há alguma entrevista com pré selecção?
 
Sim, há uma entrevista. E depois uma pequena formação sobre o que é necessário fazer e como tem que ser feito. Claro que os que já trabalham em livrarias têm esse know-how, mas os externos, como eu, precisam entrar dentro do sistema todo. 
 
- O que fazes durante o horário de trabalho? Também repões livros e colocas preços? 
 
Tudo o que for necessário. Reposição de livros sempre que é necessário, colocar preços, arrumar as prateleiras e ter sempre as "frentes" dos livros organizadas e completas, ajudar os clientes a encontrar livros, a esclarecer dúvidas, preparar os locais de sessões de autógrafos, enfim... Tudo o que vocês vêem quando passam num espaço como aquele, somos nós que arrumamos, organizamos e mantemos ao longo do dia. 
 
 
- Como foi assistir aos eventos na primeira fila? Tiveste esse oportunidade ou não foi possível? 
 
Alguns sim. Estive a um palmo do Presidente Marcelo quando foi apresentar o novo livro sobre Mário Soares. Acompanhei várias sessões de autógrafos do Agualusa, do Peixoto, do Raminhos, do Bruno Vieira Amaral, do Agusto Cury, teatros infantis, etc. 
 
 
- Como são os bastidores da feira do livro? Ambiente saudável ou muito rigoroso? 
 
Há rigor, claro. Aquilo é um negócio, tem que correr bem, tem que haver profissionalismo. Durante o dia íamos trabalhando entre pavilhões, onde fosse necessário, onde víssemos que alguém precisava de ajuda, onde reparassemos que estava alguma desarrumação. Mas na Hora H, por exemplo, era uma loucura. Tínhamos que estar fixos num pavilhão, porque há muita gente com dúvidas e a precisar de ajuda nessa hora. É, literalmente, non stop. Se precisássemos pesquisar algo no computador, havia um colega que estava a fazer apenas isso durante aquela hora e encaminhávamos o cliente para ele. Todos tínhamos um papel e uma função. Todos estávamos totalmente focados nos clientes e nas suas necessidades. Nas horas em que a Feira estava mais morta, obviamente que o ambiente era mais descontraído. Há tempo para "brincar" e tempo para trabalhar. 
Muitas vezes, quando a feira fechava, depois de desligarmos as luzas e fecharmos tudo, ainda ficávamos a conversar. Estávamos cansados, sim, mas o ambiente entre nós era tão bom que nessa altura relaxávamos um bocadinho com a companhia uns dos outros. 
 
 
- Qual foi a maior dificuldade durante estes dezoito dias? 
 
O cansaço fisico e o calor. Houve vários dias seguidos em que trabalhei entre 9h a 11h. Apenas com uma hora de paragem para comer. O que significa sempre 8h a 10h em pé. Já experimentaram estar esse tempo todo em pé? Custa. Principalmente quando começou a ficar muito calor e deixei de conseguir ir de ténis. Levava sandálias para aguentar melhor a temperatura, mas toda a gente sabe que sandálias rasas não são a coisa mais confortável para estar parada em pé. Ás vezes fazia pausas de 2 minutos só para me sentar um bocadinho e descansar os pés. Todos nós passámos por isso. Quando chegou o calor intenso piorou. Cansa o triplo. Tínhamos que estar ao ar livre sem ter para onde fugir. Os pavilhões absorvem o calor como estufas. Até meio da tarde tirávamos à sorte quem ia para os pavilhões do lado direito que estavam a apanhar com o sol de chapa. A sorte é que tínhamos borrifadores (aqueles das plantas) que enchíamos com água e gelo e assim andámos nos últimos dias de feira. Só assim era suportável. Molhávamos os braços, a cara, o pescoço, as pernas, tudo. Os clientes passavam por nós e riam-se. Alguns pediam para os borrifarmos também. Chegava a casa exausta. Dorida. E só três dias depois da Feira acabar é que senti que recuperei as forças e que voltei a ter pés. 
 
 
- Como são os clientes da feira do livro? Queres contar alguma situação engraçada (ou sem graça nenhuma)? 
 
A maioria, felizmente, são educados, simpáticos, sabem que estamos ali para ajudá-los. Depois há outros muito, muito antipáticos, rudes até. Pessoas que não dizem obrigado depois de lhes darmos a informação que pedem (o que é que custa?), pessoas que respondem de forma torta e mal educada, virando-nos a cara só porque dissemos que o livro que queriam já não havia na Feira. Uma senhora ficou até chateada comigo porque a Isabel Allende não lançou um livro novo. Que culpa tenho eu? Outros que me atribuem a culpa de na Hora H apenas terem desconto os de etiqueta laranja. E aquelas que insistem que um livro é da Bertrand só porque o viram na loja ou no site? E lá tínhamos que explicar que aquilo é uma Feira de editoras e não de livreiros. Só acreditavam quando lhes mostrava, no nosso sistema de pesquisa no computador, que tal livro era da editora X. Lá acreditavam e a pergunta seguinte "onde é que isso está na Feira?". Além de sabermos de livros, tínhamos que ser mapas ambulantes. Felizmente, a maior parte eu sabia responder. Houve um senhor, já velhinho, que tinha perdido a mulher há pouco tempo, o amor de uma vida, e procurava um livro para aprender a lidar com a morte, enquanto se emocionava a contar a sua história. Houve muuuuitas pessoas a sugerirem-me livros que nunca vou ler. E outras a pedirem-me sugestões de coisas tipo "olhe, diga-me lá um bom livro sobre puberdade!". 
 
 
- E os autores? Houve algum autor que te captou a atenção e te fez comprar o livro dele? Conseguiste conversar com algum? 
 
Conversar não, porque estávamos em horário de trabalho e tinha que manter a postura. Mas o José Luis Peixoto impressionou-me. Foi o autor que mais tempo lá ficou a conversar com os leitores. Ok, o Cury teve 4h em sessão de autógrafos, mas mandava um "você é o piloto da sua vida", assinava o livro e 'tá a andar. O Peixoto "perdia" mesmo tempo com cada pessoa. Talvez uns 15 a 20 minutos de conversa com cada leitor que estava ali para conseguir um autógrafo dele. Começou às 15h, quando voltei da minha hora de jantar às 21h ainda lá estava. Já em pé, numa postura mais descontraída, a falar com alguns fãs sobre as suas obras, como se de velhos amigos se tratassem. Trouxe um livro dele comigo: Dentro do segredo. Postei foto das minhas compras no Instagram, onde se inclui esse e ele, sem me conhecer, foi lá comentar. Adoro. Fiquei fã, mesmo antes de o ler. 
 
 
- Com quem gostavas de ter trocado uma palavra mas não conseguiste? 
 
Com ninguém em especial. 
 
 
- Há preocupação com a concorrência? 
 
O que senti foi foco em fazermos nós um bom trabalho, sem olhar para o que os outros andam a fazer. 
 
 
- No último dia começaste logo a sentir saudades? Como foi esse dia? 
 
No último dia, queria que chegasse logo o final da tarde, para ficar um tempo mais fresquinho. Quando a feira fechou, às 23h, e fechámos tudo, senti assim um friozinho, tipo "acabou mesmo...". Mas estava tão cansada que só pensava em dormir. No dia seguinte bateu uma nostalgia. Passei o dia a pensar "a esta hora estava a entrar, a esta hora estava a fazer isto, a esta hora estava a fazer aquilo". Ficam as boas memórias. Esta experiência já ninguém me tira. 
 
 
- Venderam muitos livros? Sentes que as pessoas lêem pouco? 
 
Fiquei parva com a quantidade de gente na Feira todos os dias! Mesmo nos dias com 41º graus, as pessoas não faltavam (a partir mais do final da tarde). Muita, muita gente mesmo. Vi muitos livros a irem para casa com as pessoas, muitas delas a levar pilhas de cinco ou mais. Dá-me ideia que a Feira do Livro está na moda. Ler está na moda. E isso é tão bom. Senti que a maior parte das pessoas não comprava por comprar. Iam com ideias fixas, sabiam o que queriam, tinham uma opinião formada. Os livros não estão a morrer. 
 
 
- Qual foi o livro que mais recomendaste? Quais são os autores mais procurados? 
 
Não fazia ideia, mas a nova tradução da Biblia é muito, muito procurada. De resto, de tudo um pouco... Muita gente a comprar livros de autoajuda ou desenvolvimento pessoal, muita gente que é fã de livros de bolso, policiais, romances, literatura portuguesa ou estrangeira...há leitores para todos os gostos. 
 
 
- Recomendas a experiência? Vais repetir?
 
Recomendo muito. Não sei como é nas outras editoras, mas ali foi melhor até do que imaginava. Vou repetir, sem dúvida, se a vida permitir, se tiver disponibilidade nesta altura para o ano. 
 
 
- Por fim, ficaste com vontade de ir trabalhar para uma livraria? 
 
Não. Tinha vários colegas lá que vinham de livrarias e todos diziam que a Feira é, sem duvida, um sitio especial. Fui mesmo pela Feira em si. 
 

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